segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

As Normas Críticas de Pablo Gurjec

Pablo Gurjec era um homem que, por ser demasiado racional, elaborou, com esforço hercúleo, em seu caderninho escrito a mão, as normas críticas essenciais para sobrevivência dos que são, assim como ele, tão racionais.

Dizia assim o parágrafo primeiro: "Na sobrevivência dos mais críticos podemos ver as normas racionais e lógicas que regem todas as interações do universo. Não nos basta ser inteligentes, temos de ser também passionais, desta forma, em tão elevado grau, que não nos deixamos levar pelo amor à vida; velejamos ao sabor dos ventos da paixão a tudo. Elevamos os nossos espíritos à essência do próprio Deus, para, então, olharmos com pureza e naturalidade tudo aquilo a que chamariam os medíocres de mau e cruel."

Mais adiante, escrito às pressas, dizia: "sinto-me peça de uma enorme coincidência, que de tanto coincidir-se, tornou-se a nós como vida." ao que seguia outro escrito que, com esforço, juntamos como peças de um quebra-cabeças: "Vejamos o universo como o filho de um único ser, um único ponto que se dobra e desdobra em si mesmo, por tantas e tantas vezes, que, por fim, acaba por perde-se a origem, como um origami, pois nunca imaginamos ser uma bela tulipa fruto de uma simples folha de papel. A este mesmo origami, caso chagássemos a sua origem e redobrasse-mo-los em uma nova forma, teríamos, por fim, uma tosca representação daquilo que outrora fora a tulipa, e não um novo e belo cisne, pois no papel restariam ainda as dobraduras do desenho anterior. A essência daquela forma primeira nunca sumirá."(...) "A racionalidade de que vos falo não se trata de analisar como números ou silogismos os detalhes da vida. Muito além, trata-se de transcender estas meras licenças poéticas, as quais chamamos números e lógica pura, para descobrirmos os verdadeiros versos, ou melhor, a escrita por detrás dos versos, as primeiras dobras do origami."(...)"devemos ver a vida como um início sem fim, e um fim sem início"(...)"e aceitamo-la (a vida) como dádiva, como a um presente, quando, em verdade, deveria ser a vida quem nos aceita como dádiva, pois somos nós quem a inflamos com finalidade." - e acrescenta com certo humor: "eu vivo a vida, a vida não me Pablo."

Segue, então, para um novo trecho que, para fins didáticos, separarei. "para ao homem criticarmos, devemos dele transcender, pois, quando imersos no mar, nada vemos senão a um palmo diante de nossos narizes. Mas, por outro lado, isolarmo-nos da sociedade a qual pretendemos criticar nos afasta da sua realidade instantânea e, desta forma, ficamos ultrapassados, velhos e rabugentos. E qual seria, por fim, a solução deste mistério?".

"Podemos, pois, identificar três tipos de homens críticos. O primeiro vê apenas o seu redor, o momento, e não percebe a mudança, pois está demasiadamente ligado ao presente. O segundo, ao contrário, enxerga apenas o movimento. No entanto, devido a sua imobilidade, ele se torna ultrapassado. O terceiro, por fim, desloca-se ao longo, e tenta projetar-se no futuro, mas, assim como o segundo, também se isola do mundo "real", e, neste processo, perde sua humanidade"(...) "São todos eles a fauna de um mesmo rio. O primeiro flutua na superfície, vê apenas o seu redor, não percebe, portanto, que o rio se desloca, pois tudo a sua volta muda na mesma proporção. Já o segundo, escolhe uma posição fixa, acima do rio. Ele pode ver seu movimento, mas dele não participa. O terceiro corre a sua margem, esperando, um dia, chegar à foz ou a nascente".

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